segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Análise do Filme Anjos do Sol

Anjos do Sol ilustra o conceito de realidade imutável

Filme envolvente, vencedor do Festival Internacional de Cinema de Miami,
baseados em dados de órgãos como o UNICEF, Anjos do Sol narra a história da
nordestina Maria (Fernanda Carvalho), uma menina de apenas doze anos que é
vendida por sua miserável família para um recrutador de prostitutas. Posteriormente,
Maria é revendida ao lado de outras meninas em igual situação para a cafetina
Nazaré (Vera Holtz). Esta organiza um leilão de meninas virgens e a vende para um
rico fazendeiro da região juntamente com a menina Inês (Bianca Comparato), da
mesma faixa etária. Na fazenda a inocente Maria é estuprada ao se recusar a
satisfazer as fantasias sexuais de pai e filho. Em seguida, as meninas são vendidas
ao perverso Saraiva (Antônio Calonni) administrador de um prostíbulo numa
pequena cidade da floresta amazônica. Sendo abusada todos os dias pelos mais
diferentes homens na cidade, as duas decidem fugir do bordel onde eram tratadas
como escravas. Após uma tentativa frustrada, Maria perde a amiga de ocasião Inês
para a crueldade de Saraiva. Mesmo correndo risco de morrer, a menina tenta fugir
novamente e obtém êxito dessa vez. Atravessa o Brasil e vai parar no Rio de Janeiro
onde se encontra novamente com a prostituição por meio da cafetina Vera (Darlene
Glória). A partir de então, Maria descobre que sua realidade é imutável e suas
atitudes devem ser correspondentes aos desafios que a vida lhe reserva.

O conceito de “realidade imutável” se confunde com a noção da influência que
a sociedade exerce sobre o indivíduo. Na ficção temos uma personagem que não
teve chances na vida por culpa da extrema miséria de seus pais. Por mais que
tentasse fugir do caminho da prostituição, Maria sempre cai nas mãos de pessoas
que querem se aproveitar da sua juventude e de seu corpo para ganhar dinheiro,
lucrando sobre o fato de a menina não saber sequer ler. Se por um lado vemos a
realidade imutável, sabemos que por outro isso se deve ao modo de como se
organiza a sociedade, uma vez que esta massacra o indivíduo quando o mesmo não
teve oportunidades de receber uma educação, em todos os sentidos possíveis, de
qualidade por parte de seus pais.

Sabemos que os pilares básicos da organização social são quatro: política,
educação, religião e família. Essas quatro entidades juntas em perfeito equilíbrio
provocam o desenvolvimento de toda a uma sociedade visando o bem-estar de
todos. Numa hipótese de desequilíbrio, provocam doenças sociais de grandes
proporções e levam o indivíduo a buscar caminhos alternativos para alcançar o
equilíbrio social. O problema educacional brasileiro, o descrédito da população junto
ao governo, o fanatismo religioso capaz de levar pessoas a cometer atrocidades em
nome da fé e a ausência de planejamento familiar são alguns exemplos do caos que
o desequilíbrio de algum desses pilares podem causar na sociedade.

No filme, dirigido por Langemann, é possível não somente encontrar um
desequilíbrio, mas um completo caos nos quatro pilares simultaneamente. O
caminho que vai da inocência presente nos olhos da menina Maria até os olhares
pérfidos de Nazaré e Saraiva cujos olhos a veem como uma mercadoria é curto e
bombardeado por uma hecatombe da ética e do moral. Trata-se de um efeito
dominó: um desequilíbrio causa o outro. A família de Maria vive num vilarejo
miserável no sertão nordestino sem dinheiro e esperança para alimentar
satisfatoriamente seus filhos. O pai de Maria não vê outra saída a não ser vendê-la
inconscientemente — ou mesmo consciente — para a prostituição. Tal atitude
poderia ser evitada caso as política públicas visassem com mais seriedade esses
lugares onde há miséria extrema, transformando carência em cidadania por meio da
geração de empregos e da consciência do planejamento familiar. Sem dinheiro,
decorrente da falta de um trabalho assalariado, não se tem condições favoráveis de
gerar uma boa educação nesse vilarejo nordestino, o que é evidente pelo fato de
Maria não saber ler. O analfabetismo de toda a família revela mais uma falha das
políticas públicas e, como este filme é baseado em fatos reais, demonstra o quanto
o sistema educacional no Brasil está longe de se realizar com a devida perfeição.
Diante dos fatos expostos, pergunta-se: é possível de família quando um pai
vende uma de suas filhas para garantir o sustento dos demais? O que se vê é um
caos familiar. Além de Maria, essa desestrutura é evidente com as companheiras
dela. Muitas delas não conheceram seus pais ou vieram de uma família sem
estrutura alguma. No caso de Inês, a menina afirma que era frequentemente
abusada pelo padrasto e quando a mãe soubera dos abusos colocou para fora de
caso justamente a vítima de toda a situação. Provavelmente Inês não viu outro
caminho a não ser ingressar na prostituição.

Diante uma história emocionante que revela uma realidade lamentável, o
papel da fé é essencial. No choro contido da menina Maria e no desejo de fuga, está
em si a certeza que irá se safar dos desafios da vida. No seu inconsciente, há a
crença numa divindade e a revolta com esse ser cujos poderes teriam a capacidade
de modificar seu amargo destino. A fé também é usada para amenizar a impura
consciência de Saraiva. Este, após cometer suas atrocidades com a vida das
meninas que estavam sob sua guarda, alivia-se de seu remorso ao rezar para uma
imagem de um santo num pequeno altar montado em seu bordel.

O desequilíbrio total que marca a existência de Maria transforma a vida
dessa vítima num círculo vicioso incurável. Apesar das incansáveis tentativas de
Maria de fugir do caminho da prostituição, ela não consegue encontrar outra
possibilidade de vida por meio da generosidade das pessoas. Maria então se depara
com sua própria ignorância que aliada com a falta de informação e ausência de
alguém que lhe oriente para as provações que a vida lhe impõe. A sociedade não a
perdoa por sua ignorância, mas também não oferece subsídios para modificar tal
realidade que somente a falha organização social provocou. E provoca até hoje.

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